Introdução
No início de 2017, eu e meus filhos decidimos fazer uma viagem para os países Bálticos e a Escandinávia. Era uma oportunidade rara de viajarmos todos juntos para um país que revela uma parte da origem de todos nós, a Estônia! Assim, em Julho de 2017, voamos para Estocolmo na Suécia e pegamos um cruzeiro que iria a Helsinque na Finlândia, Saint Petersburgo na Rússia, Tallinn na Estônia,Riga na Letônia, e voltava a Estocolmo. Passamos somente o dia em Tallinn! Fomos aos lugares turísticos da cidade, almoçamos e passeamos no centro histórico. Mas foi somente 2 anos mais tarde, em 2019, que viemos a descobrir que estivemos a poucos metros da casa onde tinha nascido e vivido a minha avó Dagmar e a família dela. Onde ela viveu, casou-se com o meu avô e onde meu pai tinha nascido…
O caminho de volta
Trecho do livro escrito por Claudia Lostchinin a ser publicado em 2022
Foi logo depois da morte da minha mãe Eleonora em 2019 que encontrei e abri a caixa de madeira contendo fotografias e documentos antigos que ela guardava para o meu pai. Ali dentro encontrei vários papéis amarelados, escritos em uma grafia diferente que eu não conseguia compreender. Após uma breve pesquisa, me enchi de coragem e enviei um destes documentos para o escritório de Representação da Estônia aqui em São Paulo. Descobri rapidamente que se tratava de uma certidão de nascimento original de 26 de Julho de 1898 que certificava o nascimento de minha avó Dagmar na Igreja Luterana de Saint Olaf em Tallinn- Estônia !
Minha avó – Dagmar Irene Stolzmann
* 26/07/1898 Estônia
+ 27/03/1957 São Paulo
Minha avó era a irmã do meio entre 2 irmãos de uma numerosa família de primos e tios! Eram de classe média alta e moravam no centro de Tallinn, numa enorme casa! Tinham também outra residência de verão à beira mar, perto dali, que era na época um balneário movimentado frequentado pela nobreza europeia e um importante porto comercial. A família era de origem alemã /prussiana – o pai dela se chamava Hermann, tinha sete irmãos e era um renomado alfaiate na cidade. A mãe se chamava Guilhermine e ambas famílias estavam na Estônia há dezenas de anos.
Meu avô – Nicolau Ivanovitch Lostchinin
*27/01/1890 Polônia
+ 10/06/1967 São Paulo
Acredito que tenha sido lá pelo ano de 1919 que meu avô Nicolau tenha chegado a Tallinn, na Estônia, fugido da prisão de Saint Petersburgo na Rússia. O que se sabe e´que quando os comunistas tomaram o poder em 1917, ele que fazia parte do exército do Czar Nicolau II com a morte da família real, desertou e fugiu para o norte da Rússia. Sua patente esta descrita na tradução juramentada como Capitão da Segunda divisão de Artilharia do Exercito Russo do Noroeste. Ele era um matemático brilhante, agrimensor agrário e um militar de patente, especialista em trajetórias bélicas.
Foi então capturado, condenado como desertor e enviado a prisão onde passou 1 ano preso e planejando como sair daquele inferno. Numa noite fugiu com um amigo, atravessando campos com neve e se arriscando numa balsa até chegar a Estônia. Foi assim que meu avô Nicolau entrou nesta história. Ele era um refugiado de guerra quando chegou a Tallinn, um apátrida com um passaporte Nansen.
Em Tallinn ele, soldado Nicolau conheceu a linda Dagmar ! Apaixonaram-se e viveram um grande amor.
Casaram-se em 15 de setembro de 1920 na mesma igreja em que a minha avó havia sido batizada, Igreja de Saint Olaf em Tallinn. Ela com 22 anos e Nicolau com 30 anos,poucos meses após terem se conhecido. No ano seguinte já tinha um filho, meu pai Alexis ! Viveram em Tallinn, na mesma casa da família por mais 7 anos até que decidiram imigrar para a América.Longe do frio e dos perigos da guerra! Meu avô tinha verdadeiro pavor de ser recapturado e morto! Minha avó deixou todo o conforto e segurança da sua vida em família para acompanhar um soldado destemido e apaixonado.
Saíram da Estônia em 26 de abril de 1928 chegando ao Rio de Janeiro no navio alemão Dresna. Vieram para São Paulo após a quarentena e se juntaram a uma comunidade de imigrantes como eles! Quando minha avó faleceu em 27 de março de 1957, de um infarto fulminante aos 58 anos, eu tinha somente 4 anos.
Foi pena que eu também não tivesse tido um contato maior com o meu avô, carinhosamente chamado de Apapa, pois morávamos no Interior de São Paulo e ele trabalhava muito e nos visitava pouco. Teria gostado de ouvir, com maiores detalhes, toda a grande aventura que tinha sido a sua juventude e suas incríveis e loucas histórias. Eu tinha 13 anos quando ele faleceu. Ele falava russo com o meu pai e alemão conosco. Nenhum dos meus dois avós aprendeu a falar Português direito e jamais retornaram a Europa. A guerra , o medo e um grande amor pelo outro, os motivaram a começar do zero e viver um sonho num pais desconhecido e distante.
Claudia Lostchinin
*26/05/1954
Eu nasci em São Paulo, filha única de Alexis da Estônia e Eleonora da Romênia. Vivi a minha infância num sítio fora de São Paulo onde meu pai me ensinava sobre o cheiro das plantas, o gosto das frutas e o amor pela terra! Voltei a São Paulo na adolescência para estudar. Casei duas vezes e tenho 3 filhos… tive uma vida dedicada ao trabalho, aos filhos e as viagens ! Fui professora a maior parte da minha vida com amor incondicional a profissão. Mas eu queria realizar um sonho, fazer algo importante como escrever um livro… e também poder deixar alguma coisa valiosa para os meus filhos…
Depois de descobrir a certidão da minha avó, decidi escrever um e-mail ao Arquivo Geral de Tallinn e a partir deste momento toda a minha história se revelou nos mínimos detalhes. Recebi do Arquivo todo o histórico da minha família com datas e destinos de cada parente. Encontrei alguns nos Estados Unidos e na Finlândia que imigraram antes e depois da guerra! Entendi que a história dos seus antepassados determina a sua própria história!
Com a ajuda do diretor do Arquivo Geral de Tallinn, que dedicou horas preciosas do seu trabalho tentando montar um enorme quebra-cabeça, todos os detalhes se encaixaram. Com a revelação dos documentos ficou claro o meu direito a cidadania estoniana e todos os documentos foram levados, à pé, por ele diretamente ao Departamento de Estrangeiros que fica há duas quadras do Arquivo. Em 4 de julho de 2019, 6 meses depois da descoberta do documento,eu e meus 3 filhos recebemos, no Brasil, os passaportes da União Europeia e a cidadania estoniana.
Já voltei lá algumas vezes para respirar as minhas origens. Sinto orgulho das minhas raízes e das portas que o Universo me abriu para escrever esta história! Meu DNA me presenteou com a paixão e determinação da minha avó Dagmar e do meu avô Nicolau, herdei a febre de viajar e a coragem para recomeçar! Se tivesse encontrado o documento ainda jovem, talvez todo o meu destino teria sido diferente. Mas o Universo não e´controlado por nós humanos ! Tudo acontece no tempo certo!
A Estônia e´um lindo pais muito verde e florido no verão e com um inverno rigoroso de 6 meses de neve, muito frio e ventos cortantes vindo do Báltico.Foi invadida e dominada por muitos países durante toda a História. Atualmente, livre da opressão, é um pais moderno com apenas um milhão e seiscentos mil habitantes.
Investe em Tecnologia como nenhum outro Pais e tem uma qualidade de vida que evolui a cada ano.Divulga, orgulhosamente, ser um dos países que erradicou a burocracia e a corrupção ! A grande parte dos serviços públicos esta on line e são de fácil acesso ! Valoriza a sua cultura e sua língua original. Valoriza os professores e esta entre os cinco melhores índices de Educação do mundo !
Hoje em dia o meu filho Guilherme mora e trabalha em Tallinn. Ele esta começando o Caminho de Volta! E eu terminando o meu livro.
Claudia Lostchinin
…. Delicioso de ler , desperta desde o início , curiosidade ….um romance ? Uma aula de história ? Geografia ?
Uma família… adorei