Por Maria Laura Babikian e Marcia Setti
Como o próprio nome diz, planejamento sucessório significa planejar a sucessão de pessoas, quer seja dentro de uma empresa, um comandante de patrimônio de uma família, aposentadoria, afastamento das funções que se exerceu a vida inteira, finitude e morte. Mas também é falar de colher frutos de descanso, perenidade de legado empresarial, de legado familiar, de perpetuidade do negócio, de novas gerações. Não é fácil, porque não trata apenas das questões que são negociais, patrimoniais. Trata, também, de questões relacionais, como poder, decisão de propriedade… e isso tudo vai mexendo com as pessoas da família.
Mesmo em uma família com uma relação saudável os filhos têm uma resistência muito grande em reconhecer o novo pai, pois os papéis vão se invertendo, vamos enxergando as impossibilidades, demandando cuidados. E muitas vezes é preciso tirar o poder dessas pessoas que também é algo muito difícil. Em outros casos, com o pai ou a mãe ainda firmes, com o processo cognitivo superíntegro, ainda assim eles querem pensar na transferência do bastão, mas não conseguem, pois vão desagradar um filho ou outro, em benefício do negócio em si. E há os casos em que eles não querem definitivamente largar o osso, e deixar o barco correr à deriva pode ser muito complicado, porque isso vai gerar uma sucessão hereditária sem regras, sem planejamento, sem estratégia. E pode, muitas vezes, – e normalmente é o que acontece -, afetar o patrimônio.
É importante saber que o planejamento passa primeiramente por uma organização do patrimônio, declaração de imposto de renda, regime de bens etc., e vai necessariamente estabelecer regras societárias, sucessórias para aquilo se organizar.
O planejamento consiste em estratégias de organização para, posteriormente, execução, com o objetivo de interferir diretamente na longevidade das empresas familiares e nas famílias. O primeiro passo é estabelecer um cronograma, um prazo para que o trabalho seja concluído, porque as pessoas fogem quando a coisa fica difícil. Numa média geral, o planejamento dura cerca de 6 meses, e de tempos em tempos, esse planejamento precisa ser revisitado, porque o patrimônio é impermanente, a família também se altera, os filhos crescem, os estados civis se modificam, as pessoas se separam, a economia muda…
O papel do advogado é criar regras, regular a vontade das pessoas, dentro dos permissivos legais. Quando se percebe que há um problema relacional, – uma família disfuncional -, é sugerido que as pessoas passem por um consultor, um mediador – individualmente, ou em grupo -, para atuar também nas questões de estratégias relacionais.
Vamos agora apresentar alguns exemplos. Uma situação que ocorre muito e as pessoas não percebem, é o regime de bens. Por exemplo, um casal com regime de comunhão parcial de bens. Digamos que o homem está à frente do negócio e a mulher cuidando da casa, dos filhos etc. Vamos supor que essa mulher venha a falecer. Este homem acorda com metade do patrimônio pois, dependendo de quando o casal construiu o patrimônio, os filhos têm metade, e se este casal já doou alguma parte para os filhos, esse pai pode acordar sem o controle da empresa. Portanto, é muito importante preparar os filhos para uma sucessão.
No caso de o regime do casamento for comunhão de bens e o patrimônio foi construído durante a relação, é metade para cada um. Ponto final.
Todo o planejamento sucessório deve estar sob a ótica da preservação do patrimônio e do relacionamento familiar. As relações familiares são muito fortes. Existe a superproteção, rejeição, amor, ódio, e as pessoas realmente se mostram nessa hora, portanto é fundamental ir preparando a sucessão. Às vezes, dar uma pequena parcela do patrimônio ou de participação para que os filhos ingressem no negócio é uma forma de testar e acompanhar, ver o crescimento e o potencial de cada um. Às vezes um dos filhos tem um grande potencial, mas não para aquele negócio e ele acaba se frustrando, sendo forçado a trabalhar na empresa da família.
Um pai empresário não beneficia o filho. Ele beneficia o negócio. E não é porque ele tem mais ligação com determinado filho, é porque aquele filho tem mais capacitação para o negócio. É possível tratar os filhos patrimonialmente de forma igual, estabelecer uma política de distribuição de lucros que ofereça um fluxo financeiro constante e equilibrado para os filhos, mas o poder de direção, de escolha, de gestão, tem que estar na mão de quem entende. Uma empresa com um controle difuso não tem muita chance de se perpetuar no tempo. O controle é algo muito importante, tem que estar nas mãos de quem conhece o negócio, de quem estuda o negócio, de quem se interessa pelo negócio. Trate os filhos igualmente sob o ponto de vista patrimonial, financeiro, mas não sob o ponto de vista do poder.
As pessoas da família, – os herdeiros, a esposa, o marido -, tem que conhecer e entender alguma coisa daquilo que eles possuem e que será patrimônio deles também. Mas há um limite para isso. Às vezes existem segredos de indústria, segredos de empresa, que não se pode falar, não se podem abrir determinados assuntos. Às vezes o homem não quer falar não porque está desconfiado que a esposa vai fazer alguma coisa. Em muitas situações há uma impossibilidade.
Vamos a outro exemplo. Uma família tem uma tecelagem do avô, e 3 netos querem ser médicos porque o pai é médico. Eles não querem trabalhar na tecelagem, apesar de a empresa ser geradora de riqueza. Portanto, neste caso é necessário cuidar da profissionalização dessa empresa. Isso não significa mandar para casa quem seja da família. Significa tratar profissionalmente quem trabalha na empresa, quem administra a empresa.
Imagine um divórcio litigioso ou na incapacidade permanente do principal executivo de uma empresa em virtude de uma doença ou de um acidente. Exsite um potencial sucessor preparado? Qual é a consequência patrimonial de um falecimento prematuro? Um rapaz recebeu uma participação em uma empresa, não tem filhos, é casado e vem a falecer. Esse patrimônio é passado para a esposa dele. Essa mulher jovem se casa novamente, tem filhos e quando ela morrer esse patrimônio vai para essa outra família. Então, tudo isso precisa ser pensado e planejado.
A sucessão sem planejamento costuma ser conflito, porque mesmo que se reúna forças de Hércules para a composição de um acordo, é preciso fazer isso antes de surgir o problema. Quando o problema já está instalado, é difícil conseguir uma composição. Ainda mais se for uma propriedade pulverizada, onde não existe ninguém que tenha uma quantidade suficiente de ações, de participações societárias para ter o controle. Este é o momento de planejar. Este é o momento de criar regras. Então é preciso planejar muito, chegar em um cenário e então, partir para a execução. Às vezes a execução é algo simples, que depende só de um acordo de acionistas de uma holding. O planejamento em si é que vai discutir todas essas questões e é preciso olhar para todas as nuances sucessórias, societárias, tributárias, cuidando dessas questões de forma interligada.
A família e a empresa têm tempos diferentes, e a empresa não espera. Os negócios não esperam. Às vezes há uma proposta de um de investidor naquele momento. Portanto, é preciso estar preparado.
O primeiro passo é olhar o patrimônio e organizar o patrimônio. A organização patrimonial, pode até ser uma empreitada solo, isolada sem fazer o planejamento sucessório. Mas não se faz um planejamento sucessório sem fazer uma organização patrimonial. Isso é indissociável. É preciso verificar se aquela estrutura está condizente com os propósitos do planejamento. Se os ativos estão alocados nos lugares certos, se tem eficiência fiscal, familiar e sucessória.